Nos últimos anos, a violência escolar virou caso de polícia e os conflitos foram
parar nos tribunais de Justiça. Para tentar reduzir a enxurrada de ações judiciais,
especialmente, as que envolvem situações de bullying, a desembargadora do
TJ Leila Mariano criou, no ano passado, um curso de Mediação Escolar para
pais e educadores na Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj).
A iniciativa rendeu a ela Menção Honrosa no Prêmio Innovare, que reconhece
ações para melhorar as relações em sociedade. A ideia está dando certo.
Pelas salas de aula, já passaram mais de 200 educadores. “Hoje há uma
intolerância generalizada. Precisamos resolver os conflitos conversando
dentro da escola”, ensina.
Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Dia
O DIA: Como surgiu a ideia de oferecer um curso de mediação de conflitos escolares?
LEILA: — Depois da tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, que
resultou na morte de 12 estudantes por um atirador, que foi vítima de bullying,
a Escola de Magistratura (Emerj) reuniu educadores, pais, advogados para
discutir o problema. Vários colégios seinteressaram pelo tema e então
decidimos montar o curso de mediação para capacitar professores nessa
primeira fase, e os alunos, em um segundo momento.
O que é ensinado no curso para os educadores?
Eles aprendem a lidar com situações difíceis, em que há descontrole
emocional, embriaguez e desrespeito das partes, conhecem diferentes
técnicas de comunicação, aprendem a ouvir o outro. Os professores
apresentam situações que viveram na escola e o grupo vivencia essa
encenação. O curso faz com que cada pessoa se coloque no lugar do
outro. Ela alarga seus horizontes e percebe que não é excluindo e
perseguindo, mas aceitando e incluindo que vamos viver em paz.
Na sua opinião, qual é a causa para tanta violência no ambiente escolar?
Há uma intolerância generalizada na sociedade. A violência escolar
aumentou muito. O jovem não tem noção de dignidade, do respeito
pelo outro. Ele extrapola na brincadeira e causa uma dor moral grande.
Hoje o mundo é plural. Precisamos aceitar o desigual. Isso é uma questão
que a escola precisa trabalhar. São conflitos que antes eram solucionados
em casa, na escola, mas hoje tudo vai parar nos tribunais para que a
Justiça resolva.
A senhora acredita que, com a internet e as redes sociais, os casos de agressão se acentuaram?Eu fui professora primária, em 1963, nos Anos Dourados. Naquela época
também havia brincadeiras, provocações, o “patinho feio”. Mas quando o
aluno ia para casa, a agressão acabava ali. Hoje o espaço cibernético
potencializa o dano, que é mais violento e contínuo. A agressão fica 24 horas
no ar e atinge um universo muito grande de pessoas. Isso causa traumas
profundos nas vítimas.
De que forma as famílias podem ajudar a combater os casos de bullying?
Infelizmente, os pais trabalham e não podem estar presentes o tempo
todo para educar seus filhos. As crianças precisam aprender desde
cedo a respeitar o próximo. Os pais têm que ficar atentos quanto ao
comportamento dos seus filhos, principalmente, na internet. Eles devem
ser alertados, porque a responsabilidade civil por qualquer ato dos filhos
menores de idade será deles. São eles que vão ter que pagar indenizações
às vítimas. A questão é tão séria que está tramitando projeto do Código
Penal que pretende criminalizar o bullying. O jovem que vier a cometer
ato infracional terá que ser levado à Vara da Infância e Juventude. Se
for maior de idade, poderá ir para a prisão.
O curso foi inspirado em modelo argentino de mediação. Como funciona?
Na Argentina, a mediação processual é obrigatória. Nenhum processo
vai para a Justiça sem antes passar por mediadores que tentam solucionar
o conflito. Esse tipo de mediação representa uma das técnicas mais
eficazes de resolução prática de conflitos. Esse modelo de sucesso
extravasa para o universo escolar. A ideia do curso é ampliar esse
projeto, formando professores que atuem como multiplicadores.
Para montar o curso, a senhora pesquisou episódios de violência escolar que chegaram à Justiça. Que casos chamaram a sua atenção?
Na pesquisa que eu fiz, vi casos extremos como o de um ex-PM que
matou o colega da turma da filha. Um outro jovem vai ser julgado sob
acusação de matar um estudante que brigou com a namorada dele,
em Campo Grande. Até situações como a da estudante que teve o
dedo esmagado porque tentou ir ao banheiro e o inspetor fechou a
porta da sala para impedir sua saída. E o de um colégio condenado
porque a professora arremessou tamanco na aluna.
Situações como essas levaram o Judiciário a registrar, em um relatório, que “a escola é autora, vítima e palco da violência”.
De fato, hoje as agressões vão às últimas consequências. Não só o que
bate, mas aquele que exclui e desconsidera o aluno, levando-o ao
isolamento e causando nele uma perda de autoestima e até a depressão.
Com o projeto, queremos conscientizar pais, professores e alunos
para que comecem a resolver seus conflitos conversando dentro da
própria escola.
POR MARIA LUISA BARROS/ O Dia