quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Tom Jobim, 90 anos: as memórias do maestro no Cedoc Funarte

Texto relembra o compositor de 'Águas de março' a partir de trechos de suas entrevistas publicadas na imprensa

Compositor, arranjador, maestro, pianista, cantor… e contador de histórias. Personagem dos mais importantes na história da música brasileira, Tom Jobim completaria 90 anos hoje, se fosse vivo. Em comemoração à data, fizemos uma coletânea de frases dele a partir das entrevistas que compõem o dossiê de impressos do maestro no Centro de Documentação e Informação (o Cedoc) da Funarte. Frases que, além de pontos de vista do personagem, trazem fragmentos de sua história nas suas próprias palavras.
Se lhe faltam, por exemplo, lembranças do bairro onde nasceu (“Saí muito cedo da Tijuca”), a infância em Ipanema – onde foi viver com um ano de idade – é viva em sua memória, como conta numa entrevista a Luiz Egypto publicada no Folhetim, edição de 17 de dezembro de 1978: “E aquela areia fina de Ipanema. Tão fina que cantava no pé. Quando você corria na praia, a areia fazia cuim, cuim, cuim, cuim. Areia finíssima, mar limpo, muito peixe.” Nas idas e vindas entre a praia e sua casa na Rua Barão da Torre (“que era toda de areia”), a música veio casualmente, como conta ao mesmo veículo: “Tinha um piano alemão velho na garagem e eu comecei a batucar ali.” Apesar do gosto por contar suas memórias, ele recusa o rótulo de nostálgico: “A gente é mais ou menos empurrado pra falar dessas coisas, das velhas Ipanemas. Eu não penso mais nisso, não.”
No entanto, quando o tema é a atualidade, quase sempre os aborrecimentos de Tom Jobim são acompanhados de uma certa dose de humor. Como nas críticas que o maestro faz ao Rio de Janeiro, na mesma entrevista ao Folhetim: “Sempre dá pra fazer música de amor ao Rio porque, como diz um amigo meu, o Rio é muito bonito visto de avião. Lá de cima é um cartão-postal! Mas aqui embaixo está tudo poluído.”
Já a violência entra em pauta quando o assunto é cinema, no depoimento do compositor ao jornalista Dilson Osugi publicado na revista Visão, em 21 de setembro de 1988: “Agora o Rambo é pintado com a cara de Jesus Cristo. Está cada vez mais parecido com Cristo. Eles fazem isso de propósito, para o Rambo parecer o salvador do mundo.” O maestro também torce o nariz para os tempos atuais na revista Domingo, do Jornal do Brasil, em matéria do jornalista Sérgio Rodrigues publicada em 8 de julho de 1990: “Estamos na era do descartável: gilete, lenço, música, tudo se joga fora. Disco não existe mais: nas grandes lojas de Nova York, você só encontra LPs no porão, num sebo. O veículo de hoje é a televisão. Mas a bossa nova é eterna: não vai morrer nunca.”
Imagem do Programa do show 'Tribute do Antonio Carlos Jobim' / Reprodução
Paralelamente à defesa constante que faz da cultura brasileira, o maestro lança mão de uma de suas imagens preferidas para criticar determinados hábitos de seus compatriotas. “O Brasil é um país de cabeça pra baixo, como a América do Sul é de cabeça pra baixo. Se você olhar no mapa vai ver. Eu custei muito a acreditar nessa posição estranha. Aqui a lua nasce ao contrário, a água roda ao contrário do hemisfério norte”, diz Tom ao Folhetim. “Se você faz música brasileira, os críticos vêm te dizer que você ela não é brasileira. Quanto mais você fizer, mais eles vão dizer que não faz.” No depoimento à revista Visão, o maestro é ainda mais direto: “Aqui, o sucesso pessoal é ofensa. As pessoas fazem um pouco comigo o que fizeram com Villa-Lobos. Ele escrevia aquelas músicas maravilhosas e as pessoas falavam mal da sua vida.”
Não é o caso da matéria do jornal O Globo (edição de 16 de novembro de 1994), assinada por Cláudio Uchoa, na qual Tom Jobim divulga o lançamento daquele que seria seu último álbum, o CD “Antônio Brasileiro”. Depois de creditar a variedade de ritmos do disco a seu próprio país (“As músicas são parte do Brasil, têm muita riqueza e ritmos”), o maestro diz o que lhe tem servido de motivação para compor: “Quero músicas que deem amor espiritual. Elas não servem para levar os jovens a correr de moto ou tomar drogas. São canções para levar a Deus, a uma floresta encantada.” Também revela suas intenções por trás da composição de uma das inéditas do álbum, “Forever green”: “Fiz para salvar o planeta Terra, nosso lindo planetinha azul. Inclusive a letra é em inglês para que possa ser divulgada no mundo inteiro.”
Se no depoimento à revista Visão Tom Jobim lamenta a recomendação médica para se manter afastado de sua bebida favorita (“Se não vou mais beber uísque, vou comprar o quê?”), nesta matéria do jornal O Globo ele revela uma nova preferência etílica: “Agora, só um vinhozinho. Não tenho mais tempo para me embebedar, tenho muitos compromissos e obrigações.” Aos que duvidam, o depoimento do maestro à Visão traz detalhes de sua rotina: “Acordo cedo e às 4h já estou escrevendo música. Estou com 61 anos e trabalhando sem parar. Estou trabalhando mais do que mereço.”
A polêmica em torno do licenciamento de “Águas de março” para a Coca-Cola (que usou o samba como jingle numa campanha de TV em 1985) também mereceu resposta de Tom Jobim, conforme lemos na Visão: “O Michael Jackson fez um anúncio da Pepsi-Cola e ganhou 1 milhão de dólares, com o qual comprou todas as edições dos Beatles. Claro que não ganhei isso. Mas, se eu ganhasse, compraria as músicas do Tom Jobim, porque a minha obra eu dei, dada, como tantos outros compositores.”
Reprodução de imagem da revista Visão
Sua mudança do Rio para Nova York – onde vivia desde 1984 – era outro tema abordado com frequência por Tom, que se incomodava com as insinuações de que a nova morada contaminaria a natureza da sua composição. “Posso escrever música estando numa suíte do Maksoud Plaza, em Cuba, Miami ou Nova York, pois o meu Brasil já está incorporado”, garantiu à revista Visão. “Meu Brasil é bonito. Como diz um verso de Drummond: ‘Meu Brasil é no outro mundo’. Ele tem bicho, tem mato, tem passarinho, o chão macio da floresta, ar puro, chuva, água limpa.” O impasse seria desfeito com seu habitual humor, numa declaração à revista Domingo: “Pretendo morrer aqui. É mais confortável morrer em português. Como é que você vai dizer para o médico, em inglês, que está sentindo uma dor no peito que responde na cacunda?”
Tom Jobim faleceu no dia 8 de dezembro de 1994, aos 67 anos, no Hospital Mount Sinai, em Nova York, durante a recuperação de uma cirurgia para a retirada de um tumor na bexiga.
No Rio de Janeiro, a livraria Toca do Vinicius, em Ipanema, homenageou o maestro com uma edição especial de sua publicação, o Jornalzinho, trazendo uma coletânea de frases emblemáticas de Tom e outra com frases de amigos sobre sua morte publicadas na imprensa. A lista tem personagens que vão de A, do garçom Adelino Gomes (“Foi encontrar com Vinicius lá em cima!”), a Z, do jornalista Zuenir Ventura (“A sensação é de amputação”). E também o parceiro Chico Buarque (“Tudo que fiz até hoje foi para ele”), o devoto Roberto Menescal (“Era um deus. À noite, pedia perdão a ele por meus pecados”) e o admirador Nelson Motta (“Ele era tão universal, exatamente por ter sido tão brasileiro”), entre muitos outros. Traz ainda definições do maestro pelo jornal francês Le Monde (“Tesouro Nacional do Brasil”) e pelo espanhol El País (“O grande sacerdote da beleza”).
Quem há de discordar?



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