sexta-feira, 31 de março de 2017

Por mais escolas inovadoras

José Moran, habilidades comunicativas

“As instituições mais inovadoras propõem modelos educacionais mais integrados, sem disciplinas. Organizam o projeto pedagógico a partir de valores, competências amplas, problemas e projetos, equilibrando a aprendizagem individualizada com a colaborativa; redesenham os espaços físicos e os combinam com os virtuais com apoio das tecnologias digitais. As atividades podem ser muito mais diversificadas, com metodologias mais ativas, que combinem o melhor do percurso individual e grupal.” (José Moran, em seu artigo “Educação Híbrida: Um conceito-chave para a educação, hoje”, capítulo inicial do livro “Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na educação”, publicado pela Editora Penso)

Há, evidentemente, neste parágrafo do texto de José Moran, para muitas pessoas, um evidente “gap”, ou seja, um buraco, entre o que se afirma e o que se vê na realidade das escolas brasileiras, em especial aquelas que compõem as redes públicas municipais ou estaduais.
O texto do professor Moran, no entanto, não apresenta nada de fantasioso ou surreal, distante daquilo que já se vê em algumas escolas espalhadas pelo mundo, inclusive no Brasil.
Existem, é claro, dificuldades mais do que reais, verdadeiros obstáculos - aparentemente intransponíveis - para que instituições educacionais inovadoras se estabeleçam com sucesso, de forma ampla, atingindo em relação as suas proposições, um expressivo contingente de estudantes.
A dificuldade esbarra nos já conhecidos problemas, como por exemplo, a formação deficiente dos professores na graduação, a inexistência de políticas públicas duradouras que objetivem tais mudanças, o financiamento do estado a reformas deste calibre, a cultura dominante na educação nacional amplamente refratária e conservadora a qualquer tipo de alteração, a superficialidade dos participantes em relação aos projetos que por vezes são implementados, os problemas de infraestrutura das escolas nacionais e por aí afora.
A questão neste artigo não é discutir os velhos e já batidos problemas, que certamente carecem de pulso forte das autoridades, da sociedade civil e dos educadores para que sejam varridos do cenário brasileiro. O que se quer com o presente texto é fomentar a curiosidade, abrir caminho para os realizadores (ainda que muitas vezes estes se sintam como verdadeiros “Quixotes” em sua luta), propor mudanças que não virão da noite para o dia, mas que precisam começar, ainda que tímidas inicialmente, para que depois se tornam algo mais consistente.
A ideia de uma escola sem disciplinas, por exemplo, ventilada no texto, significa a implementação da pedagogia de projetos. Não se atribui aos alunos a responsabilidade por definir totalmente os rumos da escola e do trabalho educacional. O que se apresenta são os professores a conduzir ações em que induzem os alunos a realizar estudos, os chamados projetos, a partir dos quais irão aprender matemática, história, ciências, língua portuguesa, geografia e tudo o que for possível relacionar a tais ações educativas.
Construir um carro de corrida, por exemplo, deduz conhecimentos de física, química, matemática, história e artes. Se o projeto envolver a realização de uma corrida entre os carrinhos, será preciso divulgar o evento, “vender” ingressos, conseguir patrocinadores para o evento e, com isso, trabalhar outros saberes, relacionados as inteligências múltiplas, como a inteligência interpessoal e as habilidades comunicativas e conhecimentos em informática, por exemplo.
Trabalha-se, portanto, com aquilo que é imediato, interessante, relacionado a vida das pessoas, instigado por problemas que irão levar os alunos, a partir de orientação dos professores, buscando em diferentes fontes, produzir soluções que viabilizem, para eles, a participação no projeto e, de preferência, que esta inserção seja vitoriosa ou capaz de lhes permitir o devido reconhecimento.
O projeto pedagógico constituído nestes moldes exige competências amplas, conforme apregoa Moran, exigindo também que o aluno saiba atuar individual e coletivamente, de forma harmoniosa e equilibrada. O mundo hoje não é mais aquele em que somente se apertavam botões ou que cada um cumpria o que lhe era determinado. Há momentos em que serão exigidas competências individuais, mas que, certamente, dependem do sujeito em sua preparação e, também, da condição de agir em equipe para que com seus grupos, aprendam e apresentem resultados condizentes com o que dele e de toda a equipe se esperam.
Nos anos 1990, quando as tecnologias de informação e comunicação estavam em seus primeiros passos, Pierre Lévi, um dos mais importantes e influentes pensadores do assunto, já apregoava a necessidade de termos e utilizarmos uma inteligência coletiva que não nos faria prescindir de nossas individualidades e que, sim, na realidade, a usaria em prol do interesse e ação dos grupos nos quais estamos inseridos, dos quais fazemos parte, sejam eles micro ou macro, como as nossas famílias, grupos de amigos mais próximos ou, mesmo, nossa cidade, estado ou país. Isso tudo já prevendo uma possível submissão as próprias tecnologias, a corporações ou a governos, conforme já haviam preconizado em suas obras alguns dos mais notáveis ficcionistas do século XX, como Arthur C. Clarke, George Orwell, Aldous Huxley, William Gibson ou Ray Bradbury.
As escolas ensinam muito pouco (ou mesmo nada) no tocante a inteligência intra e interpessoal reconhecidas por Howard Gardner nos anos 1990. Hoje se fala muito, nos dialetos pedagógicos, sobre Gardner e as inteligências múltiplas ou emocionais, mas de forma superficial, sem aprofundamento, sem leitura, estudos e a necessária compreensão e corporificação do que se lê. O que se percebe, como parte das lições da escola e do mundo, é o personalismo, o individualismo e o egocentrismo trabalhados numa sociedade competitiva e mesquinha em âmbito global.
Esta inovação começa, certamente, na cabeça das pessoas, mas passa por aspectos como o próprio espaço escolar, o design das salas de aula e, ainda a quebra de paradigmas, como a ideia de que somente no recinto escolar se processa a aprendizagem ou ainda que professores ensinam e alunos aprendem. Escolas com e sem muros, aprendizagem na sala de aula fora do formato convencional ou não, alunos e professores aprendendo, com o uso de tecnologias e sem o auxílio destas ferramentas, com explorações no universo mais imediato como a própria cidade ou mais distante por meio de excursões previamente planejadas, conversando com pessoas da escola ou de fora, intermediados por telas ou com diálogo franco e direto, olho no olho...
Tudo isso deve ser combinado previamente, planejado arduamente, compartilhado com a comunidade escolar, contando com a participação dos alunos, acordado por meio de contratos entre a escola e os alunos (e, é claro, seus pais ou responsáveis), gerando ações interdisciplinares, que se utilizam de diferentes metodologias e estratégias de trabalho didático, contando com recursos tecnológicos e elementos da cultura...
Somente assim teremos mais escolas inovadoras. Não é fácil. É para gigantes. E você, encara este desafio?
Por João Luís de Almeida Machado/Planeta Educação

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